José Carlos de Almeida - Projeto Criança em Movimento Obesidade Infantil em Maracaju: Obesidade Infantil: Problema que Merece Reflexão

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Obesidade Infantil: Problema que Merece Reflexão

A obesidade está se tornando um dos mais importantes problemas de saúde pública em todo o mundo. Nas crianças, a obesidade também está aumentando. Estima-se que o número de crianças obesas no Brasil tenha aumentado cinco vezes nos últimos 20 anos, atingindo atualmente cerca de 10% das crianças brasileiras. Com o incremento da obesidade infantil, aumentam também as comorbidades associadas ao ganho de peso, o que gera conseqüências nefastas na saúde, desde o nascimento. Por esta razão é imperativo que se identifiquem crianças obesas e com sobrepeso para que se enfrente esses danos.

O sobrepeso, tecnicamente, se refere ao excesso de peso corporal, enquanto a obesidade considera o excesso de gordura. Como na prática diária não há métodos para auferir a gordura corpórea, a obesidade é sempre estimada indiretamente pelos índices antropométricos, isto é, pelo peso e pela altura.

De maneira geral é mais difícil  definir obesidade nas crianças do que nos adultos. Entre estes, a adoção do Índice de Massa Corporal (IMC) criou um paradigma a partir do qual é possível estabelecer pontos de corte e definir ações. Nas crianças, as definições são diferentes, pois é necessário considerar o crescimento e o desenvolvimento, paralelamente ao ganho de peso.
O IMC é aceito e considerado como medida padrão de sobrepeso e como obesidade apenas em crianças maiores de dois anos. Outra medida utilizada em crianças é a relação peso - altura, particularmente útil em menores de dois anos. Diferentemente dos adultos, a criança ganha peso e também altura. Por isso os padrões de IMC variam com relação a sexo e idade. Desde o ano 2000, o Centers for Disease Control (CDC) publicou padrões de referência de IMC para meninas e meninos dos dois aos 20 anos, divididos em percentis. Evoluiu-se para um consenso que estabelece definições para crianças entre dois e 20 anos, a saber:
• Abaixo do peso: IMC ≤ percentil 5% para idade e sexo;
• Peso normal: IMC entre os percentis 5% e 85% para idade e sexo;
• Sobrepeso: IMC entre os percentis 85% e 95% para idade e sexo;
• Obesidade: IMC ≥ percentil 95% para idade e sexo.

A prevalência de obesidade entre escolares (seis a onze anos) e adolescentes (12 a 19 anos) cresce dramaticamente. Como se observa no Gráfico 1, a proporção de crianças e de adolescentes obesos nos Estados Unidos da América (EUA) quadruplicou nos últimos 40 anos, mesmo entre crianças de seis a onze anos. Além disso, o que se observa é que a porcentagem de crianças e de adolescentes obesos permaneceu estável por volta de 2008, mas há aumento contínuo nas categorias de peso mais elevado - IMC ≥ 97% - em meninos de seis a 12 anos. As meninas são mais propensas que os meninos a desenvolver obesidade persistente na puberdade. Entre os mais jovens, nos pré-escolares de dois a cinco anos de idade, a taxa de obesidade é cerca de 10%, mas chega a 14% entre as faixas de menor renda. Embora seja difícil comparar as prevalências da obesidade infantil em diversos países, exatamente pelas dificuldades de mensuração, os estudos realizados demonstram também um aumento importante em toda a América do Sul e na Europa. Os menores valores estão nos Países Nórdicos. Embora a China apresente taxas cerca de 30% menores do que as americanas, a maior proporção de crianças afetadas encontra-se entre os pré-escolares.


quadro1-obesidade
O que se depreende destes dados e quais são as causas desta epidemia? A obesidade infantil é quase que totalmente determinada por fatores ambientais decorrentes de um estilo de vida sedentário e de uma ingestão calórica maior do que as necessidades. Embora seja muito difícil estabelecer um nexo causal de certeza, vários elementos do ambiente infantil vêm sendo detectados como relacionados à obesidade: aumento do índice glicêmico dos alimentos infantis, quantidade de açúcar nos refrigerantes e nas bebidas, tamanho das porções dos  alimentos pré-preparados, consumo em fast foods, diminuição da presença da família nas refeições e redução de atividades físicas determinada pelo chamado estilo de vida. Neste último item repousa um dos fatores preponderantes na geração da obesidade infantil: o  chamado “tempo de tela”, isto é, o tempo que cada criança permanece diante da televisão, do computador ou do videogame. Este tempo é diretamente relacionado à prevalência da obesidade em crianças e em adolescentes, permanecendo o efeito em adultos. Há especulações a respeito do modus operandi da tela, mas o que se sabe é que a opção fácil de ver tevê ou estar no computador reduz a oferta de outras atividades - físicas inclusive. Paralelamente, a ingesta de alimentos, principalmente guloseimas e salgadinhos aumenta muito durante o tempo de tela.

A preocupação com a obesidade infantil levou a indústria de videogames a criar jogos eletrônicos que requerem atividade física interativa. Estes jogos promovem um aumento muito discreto do gasto energético nesta atividade, muito abaixo do necessário para promover qualquer alteração na prevalência da obesidade nas crianças e tendendo a se anular em médio prazo.

Para além da ingesta inadequada e do reduzido gasto calórico, fatores determinantes da obesidade, outras associações de menor importância são observadas com relação a sono e a medicamentos. Alterações do sono costumam ser o corolário das alterações nos hábitos de vida – crianças que ficam acordadas parte da noite assistindo a tevê ou jogando videogame, por exemplo. Há vários medicamentos que podem estimular ganho de peso, especialmente as  psicoativas, os antiepiléticos e os glicocorticóides. Todas elas destinam-se a parcelas específicas da população infantil e não parecem apresentar efeito em longo prazo. As causas endocrinológicas são identificadas em menos de 1% das crianças obesas. Os assim chamados fatores hereditários, excetuando-se os casos de síndromes e doenças genéticas, são co-fatores na geração da obesidade interagindo com os elementos determinantes do ambiente.
Há evidências crescentes de que o ambiente e a nutrição em alguns períodos específicos da vida, especialmente o primeiro ano de vida e a adolescência, podem apresentar efeitos permanentes na predisposição individual para a obesidade e para doenças metabólicas. O peso ao nascer, refletindo a nutrição fetal, parece estar associado, em alguma medida, ao surgimento de resistência à insulina. Durante o primeiro ano de vida, momento em que o ganho de peso e o crescimento são necessariamente maiores do que em qualquer outra fase da vida, estas relações são mais consistentes. Há associação comprovada entre a velocidade de ganho de peso em lactentes e a subseqüente obesidade ou síndrome metabólica na  infância ou na adolescência. A adolescência, outro momento de acentuado na qual as alterações hormonais e metabólicas são preponderantes, pode aprofundar tendências comportamentais de isolamento e de inatividade física, de ingesta aumentada e inadequada cuja via final será a obesidade. Examinando todas estas causas aqui alinhavadas fica muito claro que a resposta ao aumento da obesidade infantil deve ser a intervenção o mais precoce possível. As medidas mais importantes são a avaliação e a otimização da nutrição durante a gravidez, a infância e a adolescência, aliadas ao estímulo e à promoção da atividade física.

À medida que crescem os níveis de obesidade na infância, crescem também as comorbidades, doenças a ela associadas. Estas incluem anormalidades em vários sistemas e órgãos, desde endócrinas, cardiovasculares, pulmonares, gastrintestinais, ortopédicas, neurológicas até os problemas psicossociais.

Dentre as alterações mais importantes ligadas à obesidade infantil, estão a resistência à insulina e o diabetes mellitus tipo 2, que podem estar presentes em grande número de crianças e de adolescentes obesos, especialmente os que apresentam IMC ≥ 97%. Outras co-morbidades muito graves são a hipertensão arterial, a dislipidemia, a esteatose hepática, apnéia do sono, as alterações nas articulações, e o cotejo de ansiedade, de baixa auto-estima e de depressão que costuma acompanhar este quadro.

Estas patologias podem ocorrer em conjunto e configurar a síndrome metabólica, com seu risco elevado de doença cardiovascular e morte que, nos EUA, atinge aproximadamente 10% dos adolescentes obesos. Embora pareça um pequeno problema que se resolve com dietas e orientações, não são assim as tentativas de controle da obesidade na infância. Trata-se, na verdade, de modificações de comportamento em contrapartida ao que é divulgado na mídia e ao fast food. Por esse motivo, é imperiosa a intervenção precoce, antes da criação e da cristalização de hábitos de alimentação e de vida que possam predispor à obesidade.

A criança é um ser em formação e depende da família, da escola e do ambiente para crescer e se desenvolver de maneira sadia. O pediatra pode e deve desempenhar papel importante em várias frentes, destacando-se a conscientização das famílias sobre a obesidade, a monitorização do ganho de peso desde o nascimento, a orientação alimentar detalhada e rigorosa incluída na puericultura e o incentivo de hábitos saudáveis. Estes incluem o apoio incondicional do exercício físico em todas as idades, a restrição das horas de tela, o incentivo às atividades ao ar livre, à leitura e ao movimento.
Publicado na Revista Racine 118 (Setembro/Outubro 2010)
Atualizado em Qua, 23 de Novembro de 2011 15:38

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