Tem a palavra obeso uma conotação que vai para além do seu
significado técnico? Obviamente que sim. E isso deve fazer-nos parar e
pensar antes de a usarmos em frases como “os obesos são geralmente bem
dispostos”. A propósito, trata-se de um falso estereótipo, mas já lá
vamos...
Como é sabido, “four-letter word” é
uma expressão usada em língua inglesa para indicar palavras obscenas,
“malditas” ou pejorativas. Porque razão estaria obeso nesta categoria?
Não é desejável usar o termo tecnicamente mais adequado para uma dada
condição? Se a condição é obesidade, então a pessoa pode e deve ser
descrita como obesa. Ou não?
Desde já, como chamamos a alguém que
sofre de cancro (é curioso que nunca usamos a expressão "sofrer de
obesidade"...)? Ou tuberculose? Ou cirrose hepática? Para responder
melhor, consideremos estudos em que foi pedido a participantes para
associarem imagens de pessoas de vários tamanhos a características
positivas (ex. inteligente) ou negativas (ex. desleixado). Os resultados
foram claros: As pessoas com mais peso foram invariavelmente
classificadas de forma mais negativa, tal como “preguiçosas”, “sem
auto-disciplina”, “desleixadas”, ou até (pasme-se!) “com menos higiene”,
“pouco inteligentes” e “desonestas”!
Sabemos também que os falsos
estereótipos associados à obesidade se manifestam até em crianças muito
novas, que atribuem aos seus colegas mais gordinhos o que de pior já
aprenderam sobre as pessoas. E que provavelmente estabeleceram esta
associação através de imagens em filmes, televisão ou publicidade. Para
quando uma notícia sobre obesidade ilustrada com imagens de pessoas
grandes mas bonitas, bem sucedidas ou até (imagine-se) a ingerir
alimentos saudáveis? Elas existem.
É também notável o facto de
mesmo entre as pessoas com obesidade estes preconceitos se manifestarem.
Ao contrário de outros grupos discriminados, que se auto-protegem e
recusam a discriminação, neste caso as próprias vítimas de discriminação
interiorizaram a norma social que as penaliza. Vivem assim com o triplo
“peso” do seu peso: limitações pessoais (por exemplo, na sua
mobilidade), discriminação social, e a insatisfação resultante da culpa
de ter obesidade, que atribuem a si próprios.
A respeito de culpa e
atribuição de responsabilidade pelo peso, importa recordar o que diz a
Sociedade Norte-americana de Obesidade*: “A obesidade é uma condição
complexa e com muitas influências causais, incluindo factores genéticos e
ambientais que estão em grande medida além do controlo e da
possibilidade de escolha do indivíduo”. Exagerando, já se imaginou a
passear na rua e pensar que pelo facto de aparentar já alguma calvice,
as pessoas o consideram desleixado? Exagerando menos, fique também a
saber que (e cito) “as pessoas com obesidade demoram mais a ser
atendidas ao balcão, têm mais dificuldade em alugar uma casa, são
preteridas nas ofertas de emprego mesmo apresentando qualificações
similares... e são menosprezadas por professores e por profissionais de
saúde”*. Estes são factos comprovados. E não são aceitáveis. Mas são
quase sempre ignorados nas discussões sobre obesidade.
Se mais
nenhum argumento existisse, sabemos hoje de fonte segura que as pessoas
que sofrem de obesidade preferem outras expressões – para além de obeso –
para descrever a sua condição. Mesmo quando usadas por profissionais de
saúde.
FONTE: http://lifestyle.publico.pt/pesomedida/303223_obeso-e-uma-four-letter-word
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