Vivemos numa cultura que tem orgulho de dormir pouco. Pessoas que
dormem nove horas por dia são consideradas preguiçosas, enquanto
admiramos as que em cinco ou seis já pularam da cama.
Nos cinco milhões de anos que nos precederam, nossa espécie viveu num
mundo sem luz elétrica, em que a rotina de sono e vigília era
organizada em conformidade com a alternância dos dias e das noites.
A claridade que chegava às células fotossensíveis da retina ao raiar
do sol, estimulava as áreas cerebrais responsáveis pelo controle da
divisão celular, da produção dos hormônios e das proteínas envolvidas
nas reações metabólicas necessárias para enfrentar a luta diária.
Ao contrário, a chegada da noite alterava o metabolismo de forma a
sintetizar novas proteínas e hormônios, neurotransmissores, melatonina e
outros mediadores para nos tornar mais contemplativos, com a
musculatura mais relaxada e predispostos a achar um canto na caverna
para entrarmos em modo de hibernação.
Na evolução, em respeito a essa ordem natural, o conjunto das reações
bioquímicas responsáveis pelo metabolismo dos animais — e também das
plantas, fungos, e bactérias –, organizou-se em ciclos diários com
duração aproximada de 24 horas, característica que, na década de 1950,
recebeu o nome de ritmo circadiano (do latim: circa diem, cerca de um dia).
Embora os ciclos circadianos sejam controlados por mecanismos
endógenos autoajustáveis, independentes da consciência, fatores externos
podem interferir com sua duração. Entre eles, o mais importante é a luz
do sol ou de fontes artificiais, especialmente as que emitem a banda
azul do espectro luminoso.
Seres humanos mantidos em penumbra silenciosa durante 28 horas, não
resistem em vigília. A interferência com a duração dos dias e das noites
que subverte a alternância da exposição à claridade e à escuridão é a
causa do fenômeno conhecido como jet lag.
Inquéritos epidemiológicos realizados nos últimos vinte anos
avaliaram os efeitos deletérios que a privação crônica de sono exerce
sobre a saúde humana. Alguns deles levantaram a suspeita de que dormir
pouco encurtaria a longevidade.
Em 2010, um estudo realizado no Women’s Hospital, em Boston,
revelou que homens jovens mantidos em regime de privação de sono por
apenas uma semana, desenvolvem resistência à insulina, condição que leva
ao aumento da concentração de glicose no sangue, característico do
diabetes.
Os autores desse estudo acabam de atualizá-lo em uma publicação na revista Science Translacional Medicine.
Durante seis semanas, mantiveram 21 participantes numa das suítes que
o hospital transformou em laboratório de estudo do sono. Todos foram
mantidos num regime que lhes permitia dormir apenas cinco, seis horas, a
cada período de 24 horas. O horário de ir para cama mudava todos os
dias. Para interferir com o ritmo circadiano, os quartos não tinham
janelas e os ciclos de luz e escuro foram programados para durar 28
horas, em vez das 24 habituais.
Com o objetivo de prevenir que o ritmo circadiano se reajustasse por
conta própria, a iluminação era mantida em níveis equivalentes ao do
entardecer. Não foi permitido acesso à TV, rádio ou internet.
Amostras de sangue colhidas em jejum acusaram concentrações mais
baixas de insulina, associadas ao aumento das taxas de glicose, em todos
os participantes. Em três deles, a glicemia atingiu a faixa que vai de
100 a120, rotulada de pré-diabetes.
A energia gasta em repouso (que quantifica quantas calorias consome o
corpo parado) caiu em média 8%. Se esse nível de consumo energético
mais econômico fosse mantido por um ano, causaria um aumento do peso
corpóreo de quase seis quilos.
Depois de um período de dez dias de recuperação, em que os
participantes permaneceram no laboratório, porém mantidos em ciclos de
claro e escuro com duração de 24 horas, mas dormindo dez horas durante a
noite, a secreção de insulina e os níveis de açúcar na circulação
voltaram aos valores normais.
Para aqueles que o trabalho os obriga a passar meses ou anos em
ciclos de dia e noite irregulares, essas alterações seriam igualmente
reversíveis?
Você consegue, leitor, dormir e acordar todos os dias na mesma hora? Eu não.
FONTE: http://drauziovarella.com.br/wiki-saude/sono-obesidade-e-diabetes/
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