José Carlos de Almeida - Projeto Criança em Movimento Obesidade Infantil em Maracaju: Obesidade censurada

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Obesidade censurada

Uma notícia polêmica da BBC me deixou desconcertado. Relatório do parlamento inglês propõe que palavras como “obesidade”, “excesso de peso” e outros nomes que indiquem aparência alternativa sejam eliminadas do vocabulário de profissionais de saúde, professores e da sociedade em geral. Mais intrigante ainda é o fato de a proposta ter vindo da Inglaterra, um dos países mais afetados pela doença (cujas previsões são alarmantes).
A primeira vista, minha impressão não foi nada boa dessa proposta. Mas gostaria de ver outras óticas nos comentários. Entre os manifestantes favoráveis à medida, dois argumentos sérios vêm ganhando força. Vou discutí-los separamente, tentando argumentar a insuficiência destes. Primeiro, argumentam que existe uma banalização dos termos pejorativos ligados ao excesso de peso. Ok, é verdade. Hoje mesmo tivemos um caso infeliz nos jornais: Fausto Silva solta a palavra “bucho” e se dá mal.
Deixando de lado ofensas de mau gosto, será que o mais sensato seria mesmo eliminar todos os termos ligados ao sobrepeso?
Minha resposta é não. Independente de ser ou não um juízo de valor, a obesidade é uma medida clínica. Em ocasiões importantes a objetividade no diagnóstico é essencial. O médico precisa ter parâmetros para informar os riscos que seu paciente está incorrendo ao escolher um estilo de vida. Em trabalhos acadêmicos também é necessário saber os limiares exatos que caracterizam o excesso de peso.
O segundo argumento sério que vem sendo usado pelos que querem extirpar a “fat family” do dicionário é o fato de que: não há um medidor perfeito para a gordura corporal. Esse é um ponto muito discutido nas pesquisas empíricas. Volta e meia usa-se um valor de IMC acima de 30 para caracterizar a obesidade. Apesar de ser muito usado por ser fácil de ser calculado, o IMC é cada vez mais conhecido como um substituto imperfeito da gordura corporal. Para se ter uma ideia, uma pesquisa (pdf) estimou que o IMC sozinho explica só 26% das variações da gordura corporal.
O gráfico abaixo da pesquisa de Romero-Corral ilustra esse problema. Veja como o IMC (a sigla em ingês é BMI) se ajusta de maneira bastante grosseira à gordura corporal (BF é a sigla em inglês).
Gráfico: Romero-Corral (2008)
Vou tentar explicar o motivo em poucas palavras. O IMC não faz distinção entre gordura e massa livre de gordura, tais como os músculos e ossos, não identificando, por exemplo, pessoas musculosas em excesso de peso mas com pouca gordura corporal (vide quarto quadrante). Por outro lado, pessoas com baixo IMC também estão sujeitas a terem alto nível de adiposidade (vide segundo quadrante). Daí vem toda a cautela que deve-se tomar ao usar o IMC.
Questões de metodologia à parte, é preciso ter em mente que nada disso justifica relevar a existência dos problemas que o excesso de peso acarreta. Estes debates deveriam servir para melhorar os métodos dos trabalhos e, quem sabe, até trazer soluções; abandonar de uma vez por todas conceitos ligados à obesidade só vai dificultar o diagnóstico.
É importante que estas medidas continuem sendo estudadas e que a ‘obesidade’ (a palavra) continue existindo! Não vou negar que há também um interesse pessoal nessa questão. A variável obesidade está presente em todas as especificações da minha monografia.
Não só a minha pesquisa, mas também uma infinidade de tantas outras, dependem dessas definições para avaliar os efeitos que a obesidade pode vir a ter, por exemplo, no salário. E mais, a “Economia da Obesidade” existe e já é uma área consolidada dentro da economia, será que pretendem censurá-la também? É um risco. Ao censurar a obesidade, até mesmo pesquisas que avaliam se determinado grupo sofre ou não algum tipo de discriminação devido ao peso, também ficarão sem critério.
Resumo da ópera: querem “deletar” o verbete do dicionário. A má notícia é que a obesidade continuará sendo um problema.

FONTE:  http://prosaeconomica.com/2012/06/05/obesidade-censurada/

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