Jim Wilson | The New York Times
Patricia Leigh Brown
The New York Times News

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Algumas pessoas não conseguem viajar sem Advil ou um travesseiro para o pescoço. O Dr. David M. Eisenberg, professor associado das Faculdades de Medicina e de Saúde Pública de Harvard, sente-se incompleto sem sua amada faca para guarnecer e seu cutelo Wüstoff de 20 centímetros. Com um acalorado entusiasmo, ele empunhava ambos quando nos encontramos no estrado do Instituto de Culinária dos Estados Unidos, em Greystone. Preparava cogumelos shiitake perfeitamente dourados e uma dose abundante de saquê para os cerca de 400 pediatras, endocrinologistas, nutricionistas e outros profissionais de saúde que passaram três dias e meio no Vale do Napa aprendendo a cozinhar.
"Isto não é neurocirurgia", disse Eisenberg ao golpear um dente de alho com o cutelo. "Isto é uma comida saudável, acessível e incrivelmente deliciosa."
Filho de um padeiro do Brooklyn, Eisenberg é fundador e principal oficiante de "Cozinhas saudáveis, vidas saudáveis", um "casamento inter-religioso", como ele chama, entre médicos, pesquisadores de saúde pública e chefs renomados que buscam derrubar a barreira entre a cozinha "saudável" e a "apetitosa". Embora os médicos estejam na linha de frente do combate às crises de diabetes e obesidade do país, muitos recém-formados em Medicina têm pouco conhecimento de nutrição, e muito menos de culinária. É uma deficiência que está se tornando cada vez mais evidente à medida que aumentam as estatísticas, como a de que até 2050, um em cada três adultos irá desenvolver diabetes se as tendências atuais continuarem.
Para Eisenberg, o sabor é uma questão de saúde. Agora em seu oitavo ano, o evento, totalmente lotado, está na vanguarda de uma importante mudança de atitude levada a cabo por uma nova geração de profissionais médicos que cresceram convivendo com feiras de agricultores. Entre eles há alunos da Faculdade de Medicina Baylor, de Houston, que contrataram um chef para lhes ensinar técnicas culinárias, e um médico do subúrbio de Chicago que ficou tão inspirado pelo "Cozinhas saudáveis, vidas saudáveis" que, ao voltar ao seu local de origem, instalou uma cozinha para demonstrações em seu consultório.
Médicos como o cardiologista Jim Fox, de 51 anos, vindo de Traverse City, Michigan, trocaram estetoscópios por chapéus de chef para mergulhar nas belas artes do "domínio das marinadas saudáveis e das técnicas de grelhar" e "do preparo saudável de nozes e legumes".
"Eu quero ajudar os meus pacientes a não precisarem dos meus serviços", disse Fox, enquanto picava alecrim para temperar um lombo de cordeiro chamuscado com crosta de mostarda. "Eu adoraria não precisar trabalhar."
Em um lugar que celebra casamentos perfeitos – por exemplo, um riesling com frango Madras picante – a combinação de chefs ganhadores do prêmio James Beard com uma artilharia pesada da Faculdade de Saúde Pública de Harvard, incluindo o Dr. Walter Willett, epidemiologista e autoridade internacional nas consequências das escolhas alimentares, pode parecer às vezes surreal.
A saciedade foi o mantra do conclave, que custou 1.200 dólares e conta como um curso de extensão em Medicina, apesar de incluir prazeres como damascos mergulhados em chocolate (um lanche saudável) e receitas de chefs consagrados, como Suvir Saran, que trabalhou no restaurante Devi, em Nova York. Saran preparou guacamole com sementes de cominho tostadas, um toque que ele chamou de "a versão indiana de pedaços de bacon".
"Eu acho que eles estão com fome", disse ele sobre a multidão de médicos. "Muitos médicos tratam a comida como se fosse um procedimento clínico, não como a experiência sensual que ela deve ser."
Para Eisenberg, de 56 anos, um cozinheiro apaixonado que quando criança passava fins de semana recheando pastéis de nata e polvilhando biscoitos rugelach com canela e nozes na padaria do pai, a privação sob a forma de dietas de baixa gordura e vegetais sem gosto, excessivamente cozidos, é inimiga tanto de médicos quanto de pacientes.
"Há anos dizemos às pessoas coisas como 'não coma isso' ou 'esse é o seu problema'", disse ele a respeito de uma atitude comum aos médicos. "Às vezes", acrescentou sobre seu próprio desejo de comer bife, que satisfaz três vezes ao ano, "temos que dar de comer ao ignorante que vive dentro de nós".
O compromisso de Eisenberg com a alimentação saudável começou quando seu pai, um confeiteiro artístico que "cheirava sempre como uma mistura entre pau de canela e uma borrifada de Old Spice", morreu de um ataque cardíaco quando o filho tinha 10 anos. Especialista em Medicina Integrativa, Eisenberg foi um dos primeiros estudantes de medicina dos Estados Unidos a participar de um intercâmbio com a República Popular da China. Ele começou o projeto "Cozinhas saudáveis, vidas saudáveis" em parceria com o Instituto de Culinária e a Faculdade de Saúde Pública de Harvard com base na ideia radical de que se os médicos conseguissem aprender a deixar falar a Julia Child que têm dentro de si – sem a manteiga – poderiam servir como exemplos e incentivadores dos pacientes.
Não se trata de ego. Ao longo dos anos, a pesquisa mostrou que os médicos que têm hábitos saudáveis, como praticar exercícios, usar protetor solar e não fumar, têm uma maior probabilidade de aconselhar pacientes a fazerem o mesmo. Um estudo publicado em março pelo periódico Obesity informou que os médicos com sobrepeso podem estar menos propensos do que outros a conversar sobre dietas e exercícios físicos com os pacientes.
"Somos todos humanos", disse o Dr. Matt Everett, de 55 anos, médico de Marysville, Ohio, hoje esbelto, que ficou inspirado a perder peso depois de ver pacientes na casa dos 40 e 50 anos sofrendo derrames e ataques cardíacos. "Todos nós lutamos contra as mesmas coisas."
A colaboração entre o Instituto de Culinária e epidemiologistas e nutricionistas de Harvard remonta a 2002, quando Willett, presidente do conselho consultivo do instituto científico, começou a pesquisar os benefícios da alimentação mediterrânea para a saúde. A equipe agora está trabalhando com chefs de enormes redes de restaurantes, como Applebee's, Starbucks e Subway, para incentivá-los a reduzir o sódio e adicionar mais grãos integrais, nozes, legumes e óleos mais saudáveis ao cardápio.
Eisenberg gostaria de ver cozinhas-escola nos lugares que mais necessitam delas: faculdades de Medicina, hospitais, universidades, escolas públicas e bases militares.
"E se houvesse tantas cozinhas-escola quanto laboratórios de informática nas escolas?", perguntou (ele está trabalhando em um protótipo).
Muitos nutricionistas não sabem cozinhar, apontou Eisenberg, "o que lembra um pouco os psiquiatras que são pirados".
No entanto, após passar três dias refletindo profundamente – e, ao mesmo tempo, fartando-se com saladas de bagas de trigo aromáticas e limonada de amendoim (parece horrível, mas o gosto é ótimo), ele começou a sentir nitidamente que estava entrando em uma onda de bem-estar.
O Dr. John Principe, de Palos Heights, um subúrbio de Chicago, por exemplo, pensou seriamente em desistir da Medicina, farto de dar "um comprimido para cada doente", disse ele. Fantasiando sobre uma segunda carreira como chef de cozinha, participou do "Cozinhas Saudáveis" há cinco anos e percebeu que poderia ser capaz de combinar os dois.
Ele passou a organizar treinamentos intensivos em capacitação culinária na cozinha e sala de conferências de 220 metros quadrados que construiu no andar de baixo do seu consultório médico, onde ensina as pessoas a prepararem rapidamente pizzas com crosta de couve-flor e outros pratos (as sessões são elegíveis para efeito de seguro segundo o modelo de atendimento de grupo médico).
"Em vez de me sentir oprimido, passei a ter entusiasmo pela vida", disse ele.
FONTE: http://www.24horasnews.com.br/index.php?tipo=ler&mat=411036
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